O meu corpo não pertence a mim.
É daqueles que o desejam, também dos que o desprezam, dos sem coragem de assumir suas próprias inseguranças e que são projetadas em mim.
É dos que o “comem”.
Dos que o assediam.
Dos que o repudiam.
Ele é usado nos grupos de WhatsApp de quem, no fundo, odeia mulheres.
É compartilhado em imagens por quem o enxerga como um bem comum.
É tomado como algo possível independentemente da minha vontade, basta o desejo.
Ele é exposto na roda de amigos no bar, na rua, em casa.
É escrachado por quem tem fobia à diversidade de formas.
É julgado por quem pensa que meu peito é pequeno demais ou minha coxa é grande demais.
Tudo é demais. Ou de menos.
Se eu mostro, sou puta.
Se escondo, sou santa.
Em movimento, é preciso respeitar os limites, caso contrário, é visto como um convite ao coito.
Ao corpo que amamenta não é permitido que se faça em público, meu mamilo é erotizado a qualquer custo.
Ao mesmo tempo, quando corpo de mãe, se torna imaculado e, por isso, só um tipo de comportamento é tolerado.
Também fazem eu odiar meu corpo, que recebe essa herança de uma guerra injusta.
E luto contra o tempo, contra a gravidade, contra o caminho natural de envelhecer.
Meu corpo é filho, neto, bisneto de quem também perdeu a posse de sua própria morada.
É público, e muito novo ou muito velho pra começar. A idade certa tem corpo masculino.
Meu corpo usa o pronome possessivo errado, pois objeto que é, nem deveria se chamar de meu.