Senhor dos Caminhos nunca fez tanto sentido para mim como agora. Seja pelo nosso saudoso “Segundo Grau” que me mostrou muitos caminhos pelos quais minha vida poderia seguir, ou pelos caminhos que me fazem voltar, mesmo vivendo a mais de 10 mil kilometros de distância. Parece longe, mas quando entro no trem que parte do norte da Califórnia rumo ao Aeroporto Internacional de San Francisco para finalmente partir pra Tapejara, todos aqueles sentimentos adquiridos por anos e anos ali na Rua Tranquilo Basso, do lado da Funerária do “Bachega”, emergem violentamente e como uma descarga de emoções enchem o peito de alegria e ansiedade. Afinal, quantas coisas aconteceram na nossa Tapejara neste tempo que estive fora? Será que a mãe vai fazer sopa de agnoline? Será que o pai vai fazer aquela pernil de ovelha? E o Boones, vai estar aberto na época do Natal? Vai sair um futebolzinho com a gurizada do Mollotov?
Tenho ido muito pouco para Tapejara. Não por vontade própria, é claro. Desde 2004 passei grande parte da minha vida em Santa Maria, poucos meses entre Montevideo e Vacaria, e agora, por sete anos na Califórnia. Minhas idas a Tapejara são esporádicas, mas sempre intensas e nostálgicas. Cada esquina, cada rua, cada amigo que encontro bombardeiam minha alma com lembranças. Quando em Tapejara, gosto de andar a pé. Gosto de encontrar as pessoas, afinal, todo mundo se conhece. Não é isso que a gente fala? Quanta coisa tem para contar sobre minha vida vivendo tão longe e quanta coisa tenho para me atualizar sobre o que tem acontecido na vida dos Tapejarenses durante o último ano. Ando a pé porque gosto de sentir os lugares. Vai dizer que quando você não passa na frente do Clube Comercial Tapejarense ou do Boones Bar, você não lembra do final dos anos 90 e começo dos anos 2000? Vai dizer que tu não gosta de caminhar pelo centro, pegar um picolé de esquimó e sentar ali na Cremabom para bater um papo com as lendas Tapejarenses (poderia citar vários aqui) que estão sempre pela volta?
Certa vez, conversando com uma colega francesa que trabalha comigo pedi para ela me mostrar onde ela morava em Paris, pelo Google Street View. Queria ver como era os subúrbios de Paris. Ela pacientemente abre o computador e me mostra, um prédio centenário com colunas gregas localizado em um bairro nobre rodeado de jardins rosados, padarias com vitrines decoradas e lojas de marcas tradicionais. Fantástico! Eis que ela devolve a pergunta:
- Me mostra a tua cidade agora? Enchi o peito de orgulho, digitei T-A-P-E-J-A-R-A no google e lá aparece o mapa. Mostrei minha querida rua Tranquilo Basso, a Igreja, o Hospital Santo Antônio, passei pela casa onde morava o Minuca, pela casa do Mario Soares e da Dona Veronica e cheguei no “Segundo Grau”. Tudo certo. Perguntei para ela como era morar em Paris e ela me respondeu:
- É legal, mas tem muito turista, é suja, tudo é longe.
Bem, posso dizer que se ela me perguntasse como era morar em Tapejara precisaríamos de duas térmicas de mate para contar tanta coisa boa que A Terra da Onça tem. Afinal, de que adianta ter vivido em Paris se tu não conhece o padre e o vice-prefeito não é teu compadre, se tu não é amigo do pessoal da borracharia para ir lá contar umas historias, se lá em Paris não tem o Boones para encontrar todo mundo, se lá não tem janta com rifa para colaborar com a APAE e os Bombeiros, se lá não tem esse senso de comunidade que nós temos? Resumo de tudo isso: Tapejara é melhor que Paris !o/. Mas que eu gostaria de ter vivido também em Paris, ah eu gostaria.
Não adianta, David Gilmour sempre esteve certo quando escreveu High Hopes para descrever sua vida na cidade natal, Cambridge. Posso me orgulhar de dizer que sou mais parecido com o David Gilmour do que imaginei, pelo menos a respeito à minha cidade natal. Em Tapejara, "a grama é mais verde, a luz mais brilhante, o gosto mais doce, as noites são maravilhosas, com os amigos por perto, as nevoas do amanhecer são encandecestes, a água fluindo, o rio sem fim...para sempre e sempre”. Em Tapejara, o badalar de sino que divide o dia e as noite de inverno só tem aqui, todos os dias exatamente às 18 horas, e nem pensem em tirar isso de nos Tapejarenses. Aquele entardecer de inverno que cheira fumaça dos fogões a lenha não se encontra em qualquer lugar, e apesar de ter estado tantas vezes nesse lugar, ainda existe uma fome insatisfeita de voltar, de ver mais uma vez com meus olhos desgastados aquele por do sol que queima o horizonte em direção a Santa Rita, que a propósito, é lá também onde nasce a chuva em Tapejara na maioria das vezes.
Não quero aqui ser hipócrita ao ponto de pensar que nos Tapejarenses não temos defeitos e que nossa cidade é perfeita. Mas, prefiro focar nas coisas positivas, nos campos ondulados que temos aí e nas pessoas que fizeram a história e fazem o presente de Tapejara pujante. Em meus lapsos momentâneos de emoções diários que tenho sobre Tapejara, aqui no hemisfério norte do outro lado do mundo em meio a vinhedos e montanhas, sinto orgulho e saudade. Nem os parisienses nem os californianos jamais entenderão o que é ser um filho do Senhor dos Caminhos, do Professor Zé e da Fátima do Banco do Brasil.
Raul Cauduro Girardello é Engenheiro Agrônomo, pesquisador do Departamento de Viticultura e Enologia na Universidade da California, Davis. 36 anos, nascido, criado e forjado em Tapejara.